Prevista na Constituição de 1976, foi até referendada e nunca posta em prática, a regionalização em Portugal tem sido sistematicamente ignorada, fazendo do nosso país um dos poucos na EU que não está dividido por regiões. Ao longo dos anos, nunca houve uma discussão séria sobre o tema, e parece existir uma vontade tácita dos sucessivos governos centrais para que o assunto permaneça um tabu.
Portugal é um dos países mais centralistas da OCDE, rivalizando nesse aspecto com a Grécia, outro país que também enfrenta desafios de desenvolvimento. Embora a nossa pequena dimensão geográfica possa dar a impressão de que este centralismo não é problemático, a realidade é que, de norte a sul, incluindo as ilhas, as características sociais, económicas e geográficas são distintas, e, portanto, as necessidades de cada região também o são. A falta de uma divisão administrativa por regiões impede que cada área possa adaptar políticas e estratégias às suas realidades específicas, o que poderia promover um desenvolvimento mais equilibrado do país.
O Estado central tem tentado responder a essas diferenças através da descentralização de tarefas para as autarquias, mas não de competências reais. Não há uma transferência de poder para as regiões que continuam altamente dependentes das orientações do governo central.
Um exemplo flagrante desta abordagem é a situação das Juntas de Freguesia. Embora estas estruturas sejam encaradas como um elo importante na administração local, na prática, têm pouca ou nenhuma autonomia. A maioria das preocupações dos munícipes acaba por ser remetida para as câmaras municipais, e as poucas competências atribuídas às juntas de freguesia não justificam verdadeiramente a sua existência.
A resistência à regionalização parece estar relacionada com vários mitos e medos, como o de que coloque em causa a coesão territorial, aumento da despesa e criação de burocracia adicional.
No entanto, é aqui que o princípio da subsidiariedade se torna relevante. Este princípio defende que as decisões devem ser tomadas ao nível mais próximo possível das pessoas, garantindo que as regiões tenham a autonomia necessária para resolver as suas questões específicas, intervindo o governo central apenas quando não for possível às regiões, actuar eficazmente.
A Madeira, por exemplo, com o seu regime fiscal diferenciado e a Zona Franca, demonstra como a autonomia regional pode ser utilizada para adaptar políticas fiscais e económicas às necessidades locais, atraindo investimentos e promovendo o desenvolvimento. Embora o regime fiscal da Madeira tenha sido acordado com o governo central, ele ilustra o potencial da regionalização em Portugal para criar políticas que respondam melhor às particularidades de cada região, mantendo, ao mesmo tempo, a coesão nacional.
Não há razão para temer que a regionalização coloque em causa a coesão do território já que não procura criar um Estado, mas sim colocar o poder mais próximo das pessoas, tornando-o mais ágil e mais transparente, permitindo que haja um desenvolvimento de acordo com as particularidades de cada um, contribuindo para um país globalmente mais desenvolvido.
Se esta transição for feita com a devida organização e rigor, com o objectivo claro de não haver aumento da despesa pública, é possível decretar regras especificas para esse efeito como por exemplo: as verbas destinadas ao funcionamento dos serviços não serem superiores às que já são alocadas a nível central; criação de uma lei das finanças regionais a exemplo do que já existe com as finanças locais e limitação de défices regionais.
No fundo, seria benéfico que os autarcas deixassem de ser meros observadores em assuntos nos quais têm uma palavra a dizer. Em Janeiro deste ano, o Porto queria fazer uma reorganização do trânsito que implicava a criação de portagens para pesados na VCI, e nesta questão extremamente local, aguardava a acção do governo central. Num outro exemplo de maior impacto económico da região, como é o caso da questão do Porto de Sines, em 2021, o autarca de Sines reclamava que o Porto de Lisboa recebia investimentos e atenção ficando o Porto de Sines preterido prejudicando a competitividade Alentejana.
O facto de um governante local não ter poder de actuação sobre questões tão directas é uma demonstração de falta de confiança dos políticos para lá do Terreiro do Paço e uma herança marcada do centralismo do Estado Novo. Este ambiente de desconfiança mútuo, entre governos locais e governo central, contribui mais para a desunião nacional do que alguns temem que a regionalização possa causar. Os autarcas não podem continuar a ser renegados para a posição de meros executores de medidas demandadas por Lisboa, com ou sem a sua concordância. Em assuntos mais ou menos significativos da vida de cada região, cabe aos locais a responsabilização própria.
Apesar do pedido da Associação Nacional de Municípios Portugueses ao Primeiro-Ministro que avançasse com a criação das regiões administrativas, ter sido rejeitado, reforçando que prioriza a descentralização em vez da regionalização, o debate sobre a organização administrativa do país ainda é crucial. É importante que os cidadãos participem activamente na discussão sobre o futuro da regionalização em Portugal para que este tema não seja apenas uma promessa constitucional esquecida, mas uma realidade que pode contribuir para um desenvolvimento mais equilibrado do país.
Nenhum tema pode ser ignorado indefinidamente quando está no centro do debate social.
Até lá, Portugal continua adiado.
Cláudia Nunes - Presidente of LOLA Portugal | Fellow Young Voices Europe."