O Banco de Portugal prevê um aumento dos salários. No entanto, esse aumento não será suficiente para fazer frente aos efeitos da inflação. Isto é, no final de contas, mesmo com o aumento de salários, os trabalhadores portugueses vão ter um corte real, em média, de pelo menos 1% no seu rendimento disponível.

“Os salários reais por trabalhador no setor privado reduzem-se cerca de 1% em 2022, refletindo a subida abrupta da inflação”, lê-se no boletim económico de junho divulgado no dia 15 de junho, pelo Banco de Portugal.

Estes dados revelam que o poder de compra dos trabalhadores portugueses vai, em média, diminuir 1% durante este ano em que a taxa de inflação deverá fixar-se nos 5,9% (6,8% no cenário adverso).

Mário Centeno, atual governador do Banco de Portugal, disse que este é um ano de exceção. Em primeiro lugar porque nos últimos cinco anos o “rendimento disponível real teve crescimentos nos últimos anos sem paralelos nos últimos 20 anos”.

Nos últimos seis anos, o salário médio cresceu 22%, “um número muito significativo face à baixa taxa de inflação muito baixa” que, entre 2016 e 2021, em termos cumulativos, foi de 4% - “há aqui ganhos reais muito significativos”, disse.

Mas também porque “para 2023-24 assume-se um crescimento médio dos salários reais de 2%, aproximadamente em linha com o da produtividade”, nota o boletim. Isto significa que os ganhos reais nos salários voltarão já no próximo ano, de acordo com as projeções atuais do banco central.

Centeno acrescentou na conferência de imprensa que o salário médio nominal, sem retirar o impacto da inflação, cresceu 3,5% no mês passado pelo que a manter-se esta dinâmica haverá “ganhos reais” nos próximos tempos, quando a inflação desacelerar para 2,7% em 2023 e 2% em 2024.

Os números do Banco de Portugal assumem que ao longo do horizonte de projeção (entre 2022 e 2024) há uma “passagem incompleta dos aumentos de preços aos salários”, com as expectativas de inflação de longo prazo ancoradas nos 2%, o objetivo do Banco Central Europeu. Isto é, pressupõe-se que se concretiza a regra de Centeno de que os salários não aumentam mais do que 2%, acrescido dos ganhos de produtividade.

“Enquanto o crescimento médio do IHPC no horizonte de projeção é de cerca de 3,5%, os salários nominais por trabalhador no setor privado crescem 1,5% acima da produtividade no mesmo período”, nota o BdP. Esta projeção inclui os aumentos já anunciados para o salário mínimo nos próximos dois anos.

Empresas antecipam aumento de salários

Através de um questionário efetuado a cerca de 7.000 empresas, o Banco de Portugal percebeu que 82% das empresas antecipam um aumento dos salários por trabalhador em 2022, enquanto 18% espera uma manutenção (o que compara com 76% e 23%, respetivamente, em 2021).

“O atual contexto de inflação elevada pode influenciar a evolução dos salários, contribuindo para maiores aumentos”, admite o banco central, assinalando que “este efeito pode ser reforçado pela conjuntura económica, em particular pela situação do mercado de trabalho, onde as margens disponíveis se têm vindo a reduzir”.

No entanto, este crescimento dos salários não é suficiente. “Esta evolução aponta para uma perda de salário real em 2022, o que contrasta com os ganhos observados nos últimos cinco anos”, reconhecem os economistas do banco central.

Quanto aos setores de atividade, é no alojamento e restauração que os salários mais estão a aumentar, devido à recuperação do setor, mas também à escassez de mão-de-obra. Por sua vez, as empresas deste setor preveem aumentos de 7,1% este ano, mais 1,9 pontos percentuais do que o aumento de 2021.

O inquérito revela ainda que “o crescimento dos salários por trabalhador deverá ser mais acentuado nas empresas que preveem um aumento dos preços este ano”.