Identificadas há cerca de um ano, as peças fizeram parte de três altares que existiram na Sala do Capítulo enquanto esta funcionou como panteão régio, até 1901, mas estavam entre desperdícios de antigas obras, numa casa de banho desativada na zona utilizada pelos militares que fazem guarda de honra ao Soldado Desconhecido, explicou à agência Lusa Pedro Redol.
“O que é surpreendente é a maneira como foram descobertos”, salientou o técnico superior de conservação do Mosteiro da Batalha.
“Fomos alertados por um militar e imediatamente percebemos que pertenciam a frontais de altares do século XVII”.
Os achados agora revelados “são muito bonitos”, “policromados e têm representações de figuras”, mas “não são nenhuma obra-prima”.
A sua relevância decorre da raridade, “na medida em não existem grandes testemunhos de produção artística para o Mosteiro nesta época”, a primeira metade do século XVII.
Para o especialista em conservação e restauro, a importância destas peças está na informação que acrescentam.
“O Mosteiro teve um aspeto bastante diferente, nomeadamente nos vários espaços que eram destinados a oração e que foram ‘limpos’”, entre os séculos XIX e XX, “apagando muito do que era a essência da vida neste espaço”, relacionada com atos litúrgicos e oração.
O monumento - que este ano comemora 40 anos de elevação a Património Mundial da UNESCO - teve, por exemplo, “imensos retábulos barrocos, de talha dourada e de pedra, que já não existem”, porque foram desmantelados ou enviados para outros locais.
“Para nós, o Mosteiro da Batalha é o grande edifício medieval e ponto final. Mas ele foi muito mais do que isso: até teve mais dois claustros que já não existem”, recordou.
Estes azulejos ajudam a perceber que a Sala do Capítulo era bem diferente: “Não imaginávamos que tivesse tido altares com aquele tipo de revestimento”.
Com esta descoberta e o subsequente trabalho de investigação, a cargo de Inês Rodrigues, para conclusão do curso de mestrado “Património Cultural e Museologia: conservação e reabilitação”, da Universidade de Coimbra, de que Pedro Redol foi um dos orientadores, concluiu-se que os azulejos integravam nove painéis, três na frente de cada altar e dois nos lados de cada um deles.
Esses altares serviram em missas celebradas enquanto o espaço foi capela funerária, recebendo, a partir de 1481, “o túmulo de D. Afonso V e da mulher [Isabel de Coimbra]” e, dez anos depois, o túmulo do neto, filho [o príncipe D. Afonso de Portugal]”, único descendente de D. João II.
“Foi assim até 1901, quando os restos mortais foram trasladados para a Capela do Fundador”, conta Pedro Redol.
Bastante danificados na sequência da passagem das tropas napoleónicas, os altares foram retirados no contexto de “todo o anticlericalismo próprio daquela época”, que levou à extinção das ordens religiosas, em 1834. As estruturas foram demolidas “durante os restauros do século XIX, a partir de 1841 e certamente não muito depois dessa data”.
Agora, limpos e com os vidrados fixados, os azulejos refletem a inspiração dos autores: chitas vindas da Índia e elementos da cultura cristã, sendo possível identificar aves e ramagens. Supõe-se que terão sido encomendados a uma oficina de Lisboa, juntamente com outros do mesmo tipo destinados à capela de S. Gonçalo, na Quinta da Várzea, também na Batalha.