Criada pelo governo do PS, após a prolongada dissolução do Serviço de Estrangeiros, após a morte de um cidadão ucraniano nas mãos de agentes, a AIMA perdeu muitos membros para a Polícia Judiciária e o Instituto de Registos e Notários (IRN), herdou 350.000 processos de regularização, que aumentaram para 400.000 até o final de 2023, abriu concursos de recrutamento e ficou atolado com pedidos, cinco mil por mês

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O objetivo anunciado para a criação da AIMA era separar as questões policiais das questões administrativas relacionadas aos imigrantes, buscando responder de forma mais humana às solicitações feitas.

A gestão das fronteiras permaneceu nas mãos da PSP e, no final do ano, a organização teve sua primeira crise, com muitos requerentes de asilo dormindo no aeroporto devido à falta de resposta dos serviços da AIMA.

Após as eleições gerais, o novo governo PSD/CDS anunciou a intenção de alterar a lei, retirando a gestão dos processos de devolução da AIMA em junho (devolvendo-os à PSP) e acabando com as manifestações de interesse, recurso legal que permitia a um estrangeiro com visto de turista solicitar a regularização desde que tivesse 12 meses de contribuições.

Em agosto, o governo nomeou Pedro Portugal Gaspar como presidente da AIMA, substituindo o líder indicado pelo PS, Luís Goes Pinheiro, que lideraria uma estrutura de missão responsável pela regularização dos processos pendentes dentro de um ano.

Esse foi o mecanismo mais usado pelos imigrantes para solicitar a regularização, criando uma sobrecarga no sistema.

Ação legal

A falta de resposta dos serviços levou milhares de imigrantes a obrigar a AIMA a responder por meio dos tribunais, com tanto volume de processos de convocação administrativa nos tribunais que o Ministério da Justiça criou uma equipe específica.

Ao mesmo tempo, o governo estendeu o visto de mobilidade da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), sinalizando prioridade aos cidadãos de língua portuguesa, e prometeu reforçar os consulados para vistos de trabalho, algo que ainda não foi feito.

O fim abrupto das manifestações de interesse gerou polêmica e o parlamento aprovou um período de transição para aqueles que já haviam recebido a quantidade necessária de deduções, mas não haviam iniciado o processo formal.

No entanto, os casos de pessoas que já tiveram deduções, embora insuficientes, ou aquelas que chegaram com um visto de turista e estão realmente trabalhando ainda não foram resolvidos, um limbo sobre o qual as associações de imigrantes alertam.

Flora Silva, de Olho Vivo, lamenta a “negligência desumana” a que milhares de imigrantes foram submetidos, mas confia que o parlamento fará com que o governo recue e restabeleça uma “solução semelhante à manifestação de interesse que permita aos que trabalham aqui regularizar seu status”.

O fim do SEF foi precipitado pela morte de Ihor Homeniuk, e o advogado da família, José Gaspar Schwalbach, especialista em imigração, também faz uma avaliação negativa da atividade da AIMA, devido aos problemas na transferência de poderes administrativos, que “confundiram os imigrantes e dificultaram os processos de renovação devido a mudanças no localização do serviço, dificuldades na comunicação entre sistemas, entre outros

problemas.

Além disso, “o aumento de questões processuais que já vinha ocorrendo antes de outubro de 2021, quando foi decidido encerrar o SEF, continuou, e os escassos recursos humanos transferidos para a AIMA não conseguiram responder a todos os pedidos”, acusou.

A administração, vinculada pelo princípio da boa fé, deve ser a primeira a reconhecer que os prazos para a aprovação tácita haviam expirado e a emitir a decisão apropriada de conceder e produzir a autorização de residência. Mas isso não acontece”, lamentou o advogado

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Por outro lado, nos aeroportos, “a decisão política de atribuir a gestão dos Centros de Instalação Temporária ao PSP” comparou esses Centros de Instalação Temporária às instalações prisionais e os “processos de recusa de entrada” mostram “falhas graves, com falta de justificação ou mesmo notificação de decisões, com cidadãos estrangeiros embarcando em voos de retorno mesmo enquanto os processos judiciais estão pendentes”.

Na esfera judicial, “somente a investigação criminal, que foi transferida para a Polícia Judiciária no momento certo, se mostrou positiva, permitindo a otimização de recursos e o desbloqueio de processos que foram completamente suspensos até 2023, em detrimento dos cidadãos”, acrescentou.

Investimento

Por sua vez, Thaã França, pesquisadora do ISCTE e especialista em migração, lembrou que o “fim do SEF era mais do que necessário”, porque “a imigração não é um problema policial”, mas a criação da AIMA não foi acompanhada de investimento.

“Uma agência foi criada sem fornecer capacidade tecnológica ou recursos, já havia processos atrasados e as leis estavam sendo alteradas várias vezes, o que mostra a falta de continuidade das políticas migratórias”, resumiu o pesquisador, considerando que esse processo “tinha tudo para dar errado”. E funcionou

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Como resultado, cresce a “ideia de “securitização associada a uma visão dos imigrantes, vistos como criminosos”, mas também a narrativa de que “precisamos proteger nossas fronteiras”, em linha com vários países europeus.

“O atual governo era contra o fim do SEF e agora, diplomaticamente, reforça a polícia a olhar para a migração sob a perspectiva da segurança e não da integração ou do acolhimento”, acusa, que rejeita a ideia de que o número de imigrantes em Portugal seja desproporcional.

Os dados de 2023 mostram um crescimento em linha com outros países europeus, o que mostra que a ideia de que “a imigração é completamente desregulamentada é uma falácia”.

“Hoje, o espírito da AIMA está completamente distorcido, em termos de suas origens”, acusou Thaã França.